Se você chegou até aqui, provavelmente está em uma mesa de bar debatendo com amigos ou é um aficionado por história cervejeira buscando a verdade absoluta. A resposta para “qual a cerveja mais antiga do Brasil” não é tão simples quanto parece.
Ela depende se você está perguntando sobre a primeira vez que se fez cerveja aqui ou sobre a marca mais antiga que você ainda pode comprar no mercado.
Isenção de Responsabilidade (Disclaimer): Este conteúdo aborda a história de bebidas alcoólicas. O consumo de álcool é proibido para menores de 18 anos. Se for beber, faça-o com moderação e responsabilidade. As informações históricas aqui apresentadas baseiam-se em registros documentais e consenso historiográfico atual.
O veredito rápido: a resposta para sua curiosidade
Para quem tem pressa e quer vencer a discussão agora, aqui está a distinção fundamental que a maioria dos sites ignora:
Qual a cerveja mais antiga do Brasil (histórica)?
A primeira cerveja fabricada em solo brasileiro foi produzida em 1640, em Recife (PE), pelo cervejeiro Dirck Dicx, trazido por Maurício de Nassau durante o Brasil Holandês.
Qual a marca de cerveja mais antiga do Brasil (Comercial/Ativa)?
A marca mais antiga ainda em atividade ininterrupta é a Cervejaria Bohemia, fundada em 1853 por Henrique Kremer em Petrópolis (RJ).

1. O “Elo Perdido”: a cervejaria de Maurício de Nassau (1640)
Muitos livros de história ignoram este fato, mas o Brasil foi o palco da primeira cervejaria das Américas, muito antes de os Estados Unidos sonharem em produzir suas IPAs.
A chegada do mestre Dirck Dicx
Em 1637, o conde Maurício de Nassau desembarcou em Pernambuco trazendo cientistas, artistas e, crucialmente, o mestre cervejeiro Dirck Dicx. Os holandeses, acostumados com sua bebida nacional, não se adaptaram bem à cachaça local ou aos vinhos portugueses caros.
A Fábrica “La Fontaine”
Em outubro de 1640, Dicx montou a cervejaria na residência chamada La Fontaine. A produção utilizava:
- Cevada e Lúpulo importados da Holanda.
- Açúcar local (para elevar o teor alcoólico e conservar a bebida no calor tropical).
- Água dos rios pernambucanos.
Com a expulsão dos holandeses em 1654, a estrutura foi desmontada e o Brasil mergulhou em um “hiato cervejeiro” de quase 150 anos, onde a cachaça e o vinho voltaram a reinar absolutos.
2. A era imperial: o nascimento da Indústria (1808-1853)
O retorno da cerveja ao Brasil só ocorreu efetivamente com a abertura dos portos em 1808, decretada por Dom João VI. Inicialmente, apenas importávamos cervejas inglesas (Porters e Pale Ales), que chegavam em barricas e eram engarrafadas aqui.
As “Cervejarias Fantasmas” (Pré-Bohemia)
Antes da Bohemia se estabelecer, houve tentativas corajosas que falharam devido à falta de tecnologia de refrigeração e garrafas adequadas. É erro comum ignorá-las:
- Cervejaria brasileira (1836): a primeira tentativa documentada no Rio de Janeiro, que anunciava “Cerveja e Porter” no Jornal do Commercio.
- Cervejaria leão (anos 1840): outra pioneira no Rio Grande do Sul que não resistiu à competição com os importados.
3. Cervejaria Bohemia: a mais antiga em atividade (1853)
Aqui começa a história da marca que você encontra no supermercado. A fundação da Bohemia não foi apenas um negócio; foi um marco cultural impulsionado pelo Imperador Dom Pedro II.

Por que Petrópolis?
Henrique Kremer, um imigrante alemão, escolheu Petrópolis não por acaso. O clima serrano mais ameno era fundamental para a produção de cervejas Lager (baixa fermentação), que exigem temperaturas mais baixas, algo impossível no Rio de Janeiro daquela época sem refrigeração artificial.
A evolução da marca
Inicialmente chamada de Fábrica de Cerveja Nacional de Henrique Kremer, a empresa passou por diversas fases:
- 1853-1865: produção artesanal local, vendida em charretes.
- 1898: a herdeira de Kremer cria a “Companhia Cervejaria Bohemia”.
- 1960: adquirida pela Antarctica.
- Hoje: parte do conglomerado AB InBev (Ambev).
4. Comparativo cronológico: as gigantes do século XIX
Para visualizar a linha do tempo e entender onde cada marca se encaixa, preparamos esta tabela exclusiva.
| Cervejaria/Marca | Ano de Fundação | Local de Origem | Status Atual |
|---|---|---|---|
| Fábrica Nassau (La Fontaine) | 1640 | Recife, PE | Extinta (Histórica) |
| Bohemia | 1853 | Petrópolis, RJ | Ativa (Ambev) |
| Antarctica | 1885 | São Paulo, SP | Ativa (Ambev) |
| Brahma | 1888 | Rio de Janeiro, RJ | Ativa (Ambev) |
| Cervejaria Canoinhense | 1908 | Canoinhas, SC | Ativa (Artesanal Histórica) |
5. A resistência artesanal: cervejaria canoinhense
Enquanto a Bohemia se industrializou massivamente, existe uma joia rara em Santa Catarina que merece o título de “Cervejaria artesanal mais antiga do Brasil”.
O tempo parou em 1908
Fundada em Canoinhas (SC), a cervejaria Canoinhense (originalmente Ouro Verde) opera praticamente da mesma forma há mais de um século. Até hoje, o processo utiliza:
- Fornalha a lenha para aquecer o mosto.
- Equipamentos originais do início do século XX.
- Sem uso de aditivos químicos modernos.
Esta cervejaria é a prova viva de como a cerveja era feita antes da revolução industrial completa do setor. Ela preenche a lacuna entre a história de museu e a bebida no copo.

6. Evolução do paladar: do escuro ao “estupidamente gelada”
Um erro comum é achar que a cerveja de 1853 era igual à Pilsen transparente que bebemos hoje. A “qual cerveja mais antiga do brasil” tinha um perfil sensorial completamente diferente.
O que eles bebiam?
- Séc. XVII (Nassau): cervejas escuras, densas, doces (pelo açúcar) e de alta fermentação.
- Séc. XIX (Bohemia/Império): estilos alemães mais encorpados, muitas vezes Dunkel ou Bock.
- Séc. XX (Brahma/Antarctica): a popularização da American Standard Lager. O uso de milho e arroz começou a aumentar para deixar a cerveja mais leve (e barata) para o clima tropical.
7. Glossário de termos históricos cervejeiros
Para entender a história, você precisa dominar o jargão da época.
- Reinheitsgebot
- A Lei da Pureza Alemã de 1516. Muitos imigrantes, como os fundadores da Canoinhense e Bohemia, baseavam seu marketing nessa lei (apenas água, malte, lúpulo e levedura).
- Cerveja Barbante
- Termo usado no século XIX para cervejas baratas e de baixa carbonatação, cujas rolhas eram presas apenas com um barbante simples, pois não havia pressão suficiente para estourar.
- Mosto
- O líquido açucarado extraído do malte antes da fermentação. Nas fábricas antigas, o controle de temperatura do mosto era o maior desafio tecnológico.
8. Erros comuns ao falar da cerveja mais antiga
Evite passar vergonha na roda de conversa corrigindo estes mitos:
- Mito: “A Brahma é mais velha que a Antarctica.”
Fato: A Antarctica Paulista foi fundada em 1885, três anos antes da Brahma (1888). - Mito: “Os portugueses trouxeram a cerveja em 1500.”
Fato: Os portugueses preferiam vinho. A cerveja era vista com desdém até a chegada da Família Real em 1808. - Mito: “A Bohemia sempre foi Pilsen.”
Fato: As primeiras receitas eram provavelmente ales ou lagers escuras, adaptadas aos ingredientes disponíveis.
9. Perguntas frequentes (FAQ)
Reunimos as dúvidas mais pesquisadas sobre a antiguidade das cervejas no Brasil.
A Brahma é a cerveja mais antiga do Brasil?
Não. A Brahma foi fundada em 1888. A Bohemia (1853) e a Antarctica (1885) são anteriores a ela.
Qual a cerveja mais antiga do mundo?
A cervejaria em operação contínua mais antiga do mundo é a Weihenstephaner, na Alemanha, fundada no ano de 1040. Comparada a ela, as cervejarias brasileiras são “jovens”.
A Cerveja Caracu é antiga?
Sim, a marca Caracu foi lançada em 1899, em Rio Claro (SP). Ela é uma das stouts mais antigas do país ainda em produção, mas surgiu décadas depois da Bohemia.
Quem trouxe a cerveja para o Brasil?
Tecnicamente, foram os holandeses com Maurício de Nassau em 1637. Culturalmente (para consumo em massa), foi a abertura dos portos por Dom João VI em 1808 que permitiu a entrada das cervejas inglesas.

Conclusão
Ao investigar qual cerveja mais antiga do Brasil, descobrimos que a resposta conta a própria história do desenvolvimento nacional.
Temos a ousadia holandesa do século XVII com Maurício de Nassau, o empreendedorismo alemão imperial com a Bohemia em 1853 e a resistência da tradição com a Canoinhense.
Hoje, ao abrir uma garrafa, você não está apenas consumindo uma bebida, mas bebendo o resultado de séculos de adaptação tecnológica, guerras comerciais e evolução cultural. Seja uma Bohemia clássica ou uma artesanal histórica, um brinde à história!